domingo, 21 de fevereiro de 2010

Suprema lição, ruidosa folia, retumbante solidão

No fim desse carnaval uma amiga nos mandou um e-mail informando que um rapaz com quem ela saía no ano passado foi assaltado e morto em Recife. Estava me preparando para responder o e-mail, mas vi que essa era mais uma boa história para essa família que está crescendo. A mãe do rapaz ficou sabendo pelo Orkut dele,no sábado, ninguém havia entrado em contato com a família ainda. São tantas histórias pra se retirar de um acontecimento tão tragico e simbólico.
Que triste. Essa coisa do carnaval, a festa em que se pode fazer tudo, muitas vezes a gente se perde nisso né... Muito triste que o rapaz tenha sofrido pela falta de limites de alguém... Tem uma banda pernambucana que escreveu uma música sobre o carnaval. A música se passa em Olinda e conta mais ou menos essa história. E nesse ano, que passei o carnaval com meu filho aqui em Brasília, essa música ficou tocando na minha cabeça por conta de ser tão verdadeira. Fui em 3 carnavais de verdade na vida, nos demais eu fugi de carnaval, mas realmente, de um jeito ou de outro, nessa festa, é como se fosse o pretexto pra deixarmos o discernimento de lado e fazer o que queremos e o que não queremos. É a época em que tiramos a nossa fantasia, a nossa máscara, usada o ano todo. Uns bebem, uns usam drogas, uns falam demais, uns ficam/transam com muitos, mas nessa muvuca toda, com tanta gente perdida em si mesmo, tem sempre mal-feitores pra se aproveitarem disso, que roubam, que denigrem, que estupram, que matam, destroem uma vida "nesses 4 dias de diversão programada".
É necessário para o sistema vivermos 4 dias de pode tudo. Ninguém questionará o sistema se tiver essa válvula de escape. Vive-se com a máscara o ano inteiro, trabalhando 40, 44 horas por semana, reclamando bem menos porque sabe-se que vão chegar as festividades.
O bom mesmo é viver todos os dias, sem exageros. Sem trabalhar exageradamente, sem ser careta exageradamente, sem ser doidão exageradamente. Todo dia podendo ser o que é, cada dia fazer uma loucura ou uma façanha, trabalhar só enquanto se produz apenas, sem precisar dividir a tela de trabalho com msn pirateado pra conseguir falar com os amigos. Sem precisar dividir a cabeça entre escritório e o que está lá fora, porque teremos tempo de receber o amigo em casa. Não precisar dirigir enquanto dá uma briga no filho(a) pelo celular, porque sabe que terá tempo suficiente pra ensiná-lo antes ou depois de suas burradas. Não precisar transar com o marido(a), com o namorado(a) pensando em outra pessoa porque teve tempo de sair com outras antes da relação e teve tempo suficiente para refletir sobre o companheiro(a), conhecê-lo(a), para só assim estar junto de verdade. Tempo e consciência.
Aí vai a letra da música:

Carnaval Inesquecível Na Cidade Alta

Mundo Livre

Encheu o tanque não deu em nada pois a partida tava enguiçada
Um empurrão
Caiu na lama quebrou a cara
Dormiu no chão
Logo em Olinda, cheirando a mijo
Levaram tudo, que maravilha!

A picardia
Que grande lição
Inclemente euforia, estrondosa frustração.

500 mil pessoas sem fazer nada, pulando no meio da rua
Gozando do próprio sofrimento
Centenas de milhares de idiotas
Que trabalham o ano inteiro
Pra gastar todo dinheiro nesses quatro dias...
Nesses quatro dias de folia programada

Encheu a lata ficou na mão
É bateria ou iguinição
Achou alguém
Caiu no conto foi assaltado

Que animação
Levaram tudo deixando apenas a nostalgia do amor próprio
A picardia
Suprema lição, ruidosa folia, retumbante solidão.

3 comentários:

  1. Lindo, o texto.
    "Estranha" uma reflexão deste nível "em pleno carnaval". E tão necessária.
    Eu fiquei muito intrigada com isso, mas deparar com esse texto rendeu uma impressão muito boa de acolhimento.

    bj.

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  2. Equilíbrio em nossas atitudes! Esse seria um bom resumo do texto!
    Obrigada Dani.
    Bjs.

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  3. Viva, Dani,
    uma voz que fala da simplicidade de se ser o que se é, fazer o que se quer todos os dias da vida. Que bom!

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