quarta-feira, 8 de julho de 2009

Mãe ET

Todas as noites a mãe olhava pela janela de seu apartamento alugado no fim da Asa Sul. Adorava mostrar às filhas os discos voadores “vejam, vejam nem aviões e nem balões tem luzes assim, são meus amigos vindo ver se tá tudo bem”. A mais nova ouvia essas histórias e se debruçava em elaborações sobre o assunto.

Sua mãe lhe dizia que lá, no planeta de onde veio, as pessoas tinham filhos e todo mundo cuidava do filho do outro, e as crianças rapidamente se viravam. Não haviam uniões conjugais, não haviam famílias. Havia um amor por todos, como um planeta-família. A pequena só percebia mais e mais o quanto sua mãe não queria estar ali.

O mais engraçado é que a história pegou e a mais nova criou sua própria teoria. Acreditava que também era do mesmo planeta, e que, de lá, ela estava sonhando com essa vida. Achava que era tudo um sonho, um sonho bem longo como todos de seu planeta natal tinham. E era um sonho às vezes divertido, às vezes triste, mas que certamente um dia ia acabar e ela acordaria linda e maravilhosa no planeta distante. Contaria as coisas malucas que lhe aconteceram e daria muita risada dos reles mortais.

A pequena menina era até apelidada de boba alegre, porque acreditava demais nas coisas. As irmãs adoravam isso, e os pais mal sabiam que suas bobagens eram sempre ouvidas e gravadas. O fato é que ela cresceu, e às vezes acredita mais no planeta que resguarda seu corpo do que o planeta em que seu sonho corre. Muitas vezes quis acordar, mas aprendeu que não é escolha dela. Aprendeu também a apreciar cada vez mais o sonho e que tudo nele é fase.

Como levar a vida a sério pensando assim....

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Velha índia

Era uma linda mulher, baixinha, mas linda. Tinha os cabelos longos, negros, que serviam como um véu emoldurando seu lindo rosto. O corpo nu, livre, seios naturais, pele queimada, numa mistura de bronze, de vermelho e de marrom. Muitas vezes estava com os pés maltratados, andar descalço era o costume. Comia no chão, rindo e contando histórias às outras índias. Sabia fazer os outros rirem, era algo que a enchia de orgulho: ser engraçada. Na tribo mesmo, não era considerada tão formosa. Haviam valores que as demais cultivavam que faziam-nas mais atrativas que ela. Por isso, não se casou tão rapidamente, com 13, 14 anos. Seu pai preocupava-se, cacique como ele precisava botar alguém pra tomar conta dela.

Era noite de pouca lua, não queria ser visto por seus feitores. Decidiu que era hora de sair daquela vida ingrata. Não entendia porque ele tinha que sofrer tanto, e se penalizava por aqueles que deixara na senzala. Parentes, mãe de cria, e um filho que só não foi morto porque o senhor de engenho achava que era dele. Ser de alguém era o costume dessa tribo. Ao nascer mais um negro, ele já era dado a alguém. E era ensinado a sofrer e a obedecer, sem reclamar. Ele já não suportava mais aquela tribo.

Foram dias correndo, sofrendo, até que ele foi encontrado no meio do sertão pernambucano. Os índios já haviam ajudado outro fugitivo e sabiam qual era a situação. Quando ele acordou, estava sendo amparado, deram-lhe toda a assistência que precisava. Seus ferimentos eram profundos, mas sua força e as ervas dos índios foram fechando as cicatrizes.

Ele conquistou a todos, já ajudava nos afazeres, mas, por estar se recuperando, ficava mais com as mulheres. Lá ele ria, mostrava suas danças, e acima de tudo, curava a ferida do cativeiro com a liberdade daquelas mulheres, com a força matriarcal que possuíam e que ele admirava. Só ela, a filha do cacique, não se aproximava dele. Ela não gostava da forma como as demais o provocavam, tirando proveito da distância dos homens. Todas estavam curiosas por aquele homem, além do que, brincar com a fragilidade masculina era muito divertido. Era o costume. Mas ela apenas não queria admitir. Também estava encantada, e mesmo de longe tentava atrair atenção dele.

Os homens descobriram que feitores rondavam a região. Muitos escravos fugiram, e eles estavam perdendo dinheiro e respeito. A matança se instalou, crianças, mulheres, tudo para saber onde estavam os fugitivos. Ele sabia que era hora de partir. Na madrugada seguinte à notícia, ele se despedia do cacique, enquanto ela olhava da porta. Ele passou por ela, nunca trocaram uma só palavra, mas ele a prensou e passou a mão em seu sexo, deixando claro que agora ele a pertencia. Ela olhou para seu pai, que ensaiava uma reação, mas o velho simplesmente virou o rosto e os dois saíram correndo, com destino incerto.

Muito ocorreu até que se instalassem próximo a Recife. E lá, mesmo na cidade, ela andava descalça, e sempre com roupas destoantes à época. Continuava fazendo rir, comandava o lar, ajudava no sustento e foi uma mãe maravilhosa. Ele, apesar de não se destacar tanto devido ao brilho natural de sua mulher, assim achava melhor, pois sempre seria um fugitivo, e ela sempre livre.